13 março 2008

Corre, raio de rio, e leva ao mar


Corre, raio de rio, e leva ao mar
A minha indiferença subjetiva!
Qual "leva ao mar"! Tua presença esquiva
Que tem comigo e com o meu pensar?

Lesma de sorte! Vivo a cavalgar
A sombra de um jumento. A vida viva
Vive a dar nomes ao que não se ativa,
Morre a pôr etiquetas ao grande ar...

Escancarado Furness, mais três dias
Te aturarei, pobre engenheiro preso
A sucessibilíssimas vistorias...

Depois, ir-me-ei embora, eu e o desprezo
(E tu irás do mesmo modo que ias),
Qualquer, na gare, de cigarro aceso...

Álvaro de Campos

05 março 2008

ALA


BALADA DAS AVES DE ARRIBAÇÃO
Passavam bandos nas sílabas de Fevereiro
a despedida paira sobre os arrozais.
Partem narcejas e marrequinhas
tarambolas abibes patos reais
e os bandos que passam parece que deixam
no ar a canção do nunca mais.
Os torcazes começam a juntar-se
e os tordos ainda cantam nos olivais.
Também eles em breve aprtirão.
E uma parte de mim vai para o norte.
Sou como as aves de arribação não consigo ficar
quando elas vão.

Manuel Alegre

03 março 2008

Descobri!


...

bzzzzzzzzz...
Andei perdida... de flor em flor.... meses e meses!

bzzzzzzzzzzzzzzz...
E tudo porque esqueci a série de números e letras que formam a password para abrir a ADSUM!

bzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz...

24 setembro 2007

Musicae


Shakespeare a propósito da música do universo no MERCADOR DE VENEZA:

A lua, com o seu brilho intenso: em noite assim
quando a brisa gentil beijava as árvores,e elas permaneciam em silencio...
Como é suave o luar adormecido aqui.
Aqui fiquemos, deixando o som da música penetrar o nosso ouvido:
o sossego suave e esta noite são adequados ao tom de uma doce harmonia.
Senta-te: repara como o chão do céu está forrado de camadas espessas do ouro mais brilhante.
A mais pequena esfera que contemples gira na sua órbita cantando como um Anjo que procure o olhar dos jovens querubins.
Essa harmonia existe nas almas imortais
mas enquanto estiver envolvida em espessa decadencia
não seremos capazes de a ouvir

04 junho 2007

Gato que brincas na rua


Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama
Invejo a sorte que é tua
Por que nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.



Fernando Pessoa

25 abril 2007

25 de Abril


ABRIL COM "R"

Trinta anos depois querem tirar o r
se puderem vai a cedilha e o til
trinta anos depois alguém que berre
r de revolução r de Abril
r até de porra r vezes dois
r de renascer trinta anos depois

Trinta anos depois ainda nos resta
da liberdade o l mas qualquer dia
democracia fica sem o d.
Alguém que faça um f para a festa
alguém que venha perguntar porquê
e traga um grande p de poesia.

Trinta anos depois a vida é tua
agarra as letras todas e com elas
escreve a palavra amor (onde somos sempre dois)
escreve a palavra amor em cada rua
e então verás de novo as caravelas
a passar por aqui: trinta anos depois.

Manuel Alegre

09 fevereiro 2007

fenetre du gout


Montmartre, Janeiro de 2007

29 dezembro 2006

The London Eye





The London eye
Is a giant wheel
All white and bright
And made of steel
It’s slowly turning
Round and round
Offering views of London
Above the ground
Famous landmarks and
Sights dramatic
The nations history
Panoramic
Old visitors express
Sentiment
In children’s faces
Wonderment
But all agree
It’s worth the fee
To ride the wheel
The sights to see


Paul Curtis


27 novembro 2006

22 e 27



Os números para hoje são: 22 e 27!!!

16 novembro 2006

Nihil et omnia






Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho genios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.

Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...

Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?

O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.

Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.

Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, para o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei que moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!

Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheco-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

'A tabacaria' - Álvaro de Campos

23 outubro 2006

1 ano




ADSUM fez 1 ano no passado sábado. Já passou um ano...
Um ano de imagens pessoais e de intensas palavras. Obrigada a todos pelas visitas e pelo carinho...


As palavras

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade

20 outubro 2006

Domus


Costa Nova






Vamos os dois ao longo dos dias felizes

conversando e ouço o que dizes

como se quem falasse fosse eu;

(adeus palavras, sonhos de beleza,

montanhas desoladas da infância

donde tudo se via: a alegria

e a cegueira do que não se via;)

vês agora o que eu vejo, a minha sombra

caminhando a teu lado num tempo perdido

quando eu ainda não tinha morrido?



(Adeus perfeição, adeus imperfeição.)

Às vezes pergunto-me se valeu a pena,

se não haveria outra solução,

se não poderia, por exemplo, ter embarcado

num desses barcos que aparecem sempre

milagrosamente na última estrofe,

e se tu não poderias ter ficado

no cais, ou em alguma metáfora mais

imperiosa, partindo também donde te via,

e se assim não teria tudo sido

menos improvável e menos cansativo.



Infelizmente não havia barco onde

coubessemos eu e as minhas lembranças;

tudo o que havia, tudo o que realmente havia,

a ti o tinha dado e

dando-to tinha-to roubado,

e a minha própria morte pairava

entre ti e mim indecisamente,

como uma ideia, não como algo evidente.



Agora volto a sítios vastos

uma última vez, com hesitantes passos

subo as escadas e bato à porta

e tu abres-me a porta embora estejas morta

e embora eu esteja morto, como se fôssemos

visitados pelo mesmo sonho.



de Manuel António Pina

10 outubro 2006

Libertatis


Barra-Aveiro


Voas, deslizas, és tu e não és...

18 agosto 2006

Urgentemente

É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

Eugénio de Andrade

17 agosto 2006

alienus



o ritmo do encontro entre o verde da rocha e o cinzento do mar

mare fructum

20 julho 2006

In fine




memórias de um dia a voar...

08 junho 2006

Déjà vu...

30 maio 2006

Aliunde



Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

Fernando Pessoa)

27 abril 2006

fadomorse


No sábado passado, dia 22 de Abril, fomos ao 'Tertúlia Castelense' no Castêlo da Maia (http://www.tertuliacastelense.com) com o objectivo de assistir a um concerto dos Fadomorse. O espaço do Tertúlia é fantástico. Não conhecia... e ... fiquei fã. Voltarei lá brevemente... Um misto de pavilhão chinês (Lx) e Casa das Artes (Bg).
Quanto ao concerto: muito bom! Já ouvira falar deste grupo, e tinha, inclusive, ouvido uma ou outra canção. Gostei... Mas o espectáculo ao vivo realmente superou as minhas expectativas. A entrega dos elementos do grupo, ao longo das duas horas de concerto, foi a 100%. Nessa noite fez-se música naquele espaço mágico que cheira a passado....
Recomendo: Fadomorse. A ouvir. Mesmo! Se estiverem interessados em mais informações visitem a página http://www.fadomorse.net

15 abril 2006

ad te...


Hoje choveu durante todo o dia... Uma chuva mansa, ora triste ora serena.
Sentei-me, levei a chávena do café aos lábios e este poema começou a soar fazendo-se acompanhar por música... Os meus olhos modelaram a água que se via cair lá fora e brilharam ainda mais...
Brilharam pela chuva que continuava a cair... pela música... e pelas saudades que as palavras acordaram...

Ary dos Santos, no seu melhor... *

Cavalo à solta

Minha laranja amarga e doce
meu poema
feito de gomos de saudade
minha pena
pesada e leve
secreta e pura
minha passagem para o breve breve
instante da loucura.

Minha ousadia
meu galope
minha rédea
meu potro doido
minha chama
minha réstia
de luz intensa
de voz aberta
minha denúncia do que pensa
do que sente a gente certa.

Em ti respiro
em ti eu provo
por ti consigo
esta força que de novo
em ti persigo
em ti percorro
cavalo à solta
pela margem do teu corpo.

Minha alegria
minha amargura
minha coragem de correr contra a ternura.

Por isso digo
canção castigo
amêndoa travo corpo alma amante amigo
por isso canto
por isso digo
alpendre casa cama arca do meu trigo.

Meu desafio
minha aventura
minha coragem de correr contra a ternura.

José Carlos Ary dos Santos

Oculi


A poesia dos olhos...

21 março 2006

21 de Março. DIA MUNDIAL DA POESIA


O poema original


Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutra pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse ao abismo
e faz um filho às palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever em sismo.

Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser um
por todos a quem a sorte
faz devorar em jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.

........................................

Original é o poeta
que chega ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.

Esse que despe a poesia
como se fosse mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.

Ary dos Santos

14 março 2006

RAIA


...um raio raiou na raia raivosa...


Fernando Pessoa


Às vezes entre a tormenta,
quando já humedeceu,
raia uma nesga no céu,
com que a alma se alimenta.

E às vezes entre o torpor
que não é tormenta da alma,
raia uma espécie de calma
que não conhece o langor.

E, quer num quer noutro caso,
como o mal feito está feito,
restam os versos que deito,
vinho no copo do acaso.

Porque verdadeiramente
sentir é tão complicado
que só andando enganado
é que se crê que se sente.

Sofremos? Os versos pecam.
Mentimos? Os versos falham.
E tudo é chuvas que orvalham
folhas caídas que secam.

15 fevereiro 2006

Dormit in utramvis aurem quem cura relinquit

Vontade de dormir




Fios de oiro puxam por mim

A soerguer-me na poeira -

Cada um para seu fim,

Cada um para seu norte

...................................................................



- Ai que saudade da morte...

...................................................................



Quero dormir... ancorar...

....................................................................



Arranquem-me esta grandeza!

- P'ra que me sonha a beleza

Se a não posso transmigrar?


(Mário de Sá-Carneiro)

31 janeiro 2006

Nunc et semper


Eu não sou eu nem sou outro,

Sou qualquer coisa de intermédio:

Pilar da ponte de tédio

Que vai de mim para o Outro
.

(Mário de Sá Carneiro)

11 janeiro 2006

Musica ad infinitum


Aconselho...

Tive que fazer uma paragem no trabalho para vos recomendar este CD. Porque estou numa fase em que não consigo resistir a ouvi-lo ... repeat... repeat... repeat...

Tem sido um bálsamo auditivo neste últimos dias de trabalho intenso e um excelente estímulo no processo criativo...
Música de excelente qualidade e muito bem interpretada... Todos os temas são muito bons, mas tenho de destacar um dos que mais me toca:'tema Central do Filme Cinema Paradiso'... Delicioso... Tal como o filme...
Obrigada P&S pela oferta desta descoberta que me tem acompanhado já há algum tempo...

(Foto publicada no blog tonica dominante)

09 janeiro 2006

saudades...



... da maresia
... do sol
... do mar
... do calor
... do dormitar
... de relaxar
... de apreciar
... de nadar
... ... ... ... ... ...

02 janeiro 2006

Sol requiescat in pace

29 dezembro 2005

Modus operandi



Há que contrariar a inércia e a passividade. Força!

24 dezembro 2005

HODIE CHRISTUS NATUS EST


Lisboa, Dezembro 2004



A todos que por aqui já passaram: Boas Festas! Obrigada pelas visitas...





Litania para este Natal- 1967 (David Mourão-Ferreira, Lira de Bolso)


Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

Num sótão num porão numa cave inundada

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

Dentro de um foguetão reduzido a sucata

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

Numa casa de Hanói ontem bombardeada

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

Num presépio de lama e de sangue e de cisco

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

Para ter amanhã a suspeita que existe

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

Tem no ano dois mil a idade de Cristo

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

Vê-lo-emos depois de chicote no templo

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

E anda já um terror no látego do vento

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

Para nos vir pedir contas do nosso tempo

18 dezembro 2005

Quase Natal...



É importante lembrar...
Porque, infelizmente, o Natal não é sentido por todos...

Natal de 1971 (Jorge de Sena)

Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Dos que não são cristãos?
Ou de quem traz às costas
as cinzas de milhões?
Natal de paz agora
nesta terra de sangue?
Natal de liberdade
num mundo de oprimidos?
Natal de uma justiça
roubada sempre a todos?
Natal de ser-se igual
em ser-se concebido,
em de um ventre nascer-se,
em por de amor sofrer-se,
em de morte morrer-se,
e de ser-se esquecido?
Natal de caridade,
quando a fome ainda mata?
Natal de qual esperança
num mundo todo bombas?
Natal de honesta fé,
com gente que é traição,
vil ódio, mesquinhez,
e até Natal de amor?
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm,
ou dos que olhando ao longe
sonham de humana vida
um mundo que não há?
Ou dos que se torturam
e torturados são
na crença de que os homens
devem estender-se a mão?

09 dezembro 2005

Natal...







Chove. É dia de Natal
(Fernando Pessoa)

Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem a quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.

05 dezembro 2005

as pedras...


As pedras (Maria Alberta Menéres, Conversas com versos)

As pedras falam? pois falam
mas não à nossa maneira,
que todas as coisas sabem
uma história que não calam.

Debaixo dos nossos pés
ou dentro da nossa mão
o que pensarão de nós?
O que de nós pensarão?

As pedras cantam nos lagos
choram no meio da rua
tremem de frio e de medo
quando a noite é fria e escura.

Riem nos muros ao sol,
no fundo do mar se esquecem.
Umas partem como aves
e nem mais tarde regressam.

Brilham quando a chuva cai.
Vestem-se de musgo verde
em casa velha ou em fonte
que saiba matar a sede.

Foi de duas pedras duras
que a faísca rebentou:
uma germinou em flor
e a outra nos céus voou.

As pedras falam? pois falam.
Só as entende quem quer,
que todas as coisas têm
um coisa para dizer.

30 novembro 2005

Venezia



Numa carta (1907) à sua irmã escreveu Rainer Maria Rilke a propósito de Veneza:
“Its marble is ashen, a pallid grey, as luminous as the edge of a coal that has just stopped smoldering. How inexplicable are the red of the walls and the green of the shutters; so restrained and yet impossible to ignore; it is the past, but in the fullness of flight; it is so pale, just as people turn pale as their emotions increase.”
Palavras perfeitas!

28 novembro 2005

requiem por uma árvore...

Dixi!

24 novembro 2005

abyssus abyssum invocat




o apelo do abismo...

excepção: uma foto de mim e não por mim...

23 novembro 2005

Ilha Terceira...


Ilha Terceira, Açores


Chamateia (tradicional - Ilha Terceira)

No berço que a ilha encerra
Bebo as rimas deste canto
No mar alto desta terra
Nada a razão do um pranto
Mas no terreiro da vida
O jantar serve de ceia
E mesmo a dor mais sentida
Da lugar a sapateia
Se a sapateia não der
Pra acalmar minha alma inquieta
Estou pro que der e vier
Nas voltas da chamarrita
Chamarrita , sapateia
Eu quero é contradizer
O aperto desta bruma
Que as vezes me faz vencer
Ó meu bem ó chamarrita
Meu alento e vai e vai
Vou embarcar nesta dança
Sapateia... Ó meu bem

22 novembro 2005

presque nuit...



os meus olhos beijam-te 'mon petit soleil'

20 novembro 2005

a invenção da cor...


comprimentos de onda de radiação electromagnética visível

18 novembro 2005

Viagens na minha terra...

06 novembro 2005

MIIIAAAUUUUUU!!!



Gato (Alexandre O'Neil)

Que fazes por aqui, ó gato?

Que ambiguidade vens explorar?

Senhor de ti, avanças, cauto,
meio agastado e sempre a disfarçar
o que afinal não tens e eu te empresto,
ó gato, pesadelo lento e lesto,
fofo no pelo, frio no olhar!

De que obscura força és a morada?

Qual o crime de que foste testemunha?

Que deus te deu a repentina unha
que rubrica esta mão, aquela cara?

Gato, cúmplice de um medo
ainda sem palavras, sem enredos,
quem somos nós, teus donos ou teus servos?

Pontes

Estas são as pontes que se trajam de violeta no baile do fim do dia...

Ponte Carlo, Praga

Ponte Vecchio, Florença

04 novembro 2005

Affectio tenendi



Desde que era pequena pensava muito em nuvens e olhava muito para o céu para ver como elas se metamorfoseavam... adorava ver as cores, as luzes, as sombras e as formas tão diversas que elas assumiam... Prometia a mim mesma, que quando fosse maior iria fotografá-las e registá-las para sempre. A verdade é que fotografei muito menos do que aquelas que me comoveram, mas mesmo assim o álbum é considerável...
Hoje partilho uma delas com vocês... uma que me faz sentir bem. Têm que ver que é mesmo muito bela!
Espero que também tenha esse efeito sobre vocês!

01 novembro 2005

No teu poema




Gosto muito de poesia, da construção única do brincar com as palavras... Essa deve ser uma das razões para gostar tanto de fado. Muitas dessas canções recorrem a textos realmente fabulosos da autoria de renomados autores como David Mourão Ferreira, Manuel Alegre, Ary dos Santos, entre muitos outros, elevando a qualidade final da obra.
O texto que se segue é um dos meus preferidos e é muitas vezes lembrado pela sua associação à música nas vozes de Carlos do Carmo ou de Simone de Oliveira. Para quem gosta deste género, recomendo a audição das músicas. Ou então... deliciem-se apenas com as palavras!



No teu poema

existe um verso em branco e sem medida,
um corpo que respira, um céu aberto,
janela debruçada para a vida.
No teu poema existe a dor calada lá no fundo,
o passo da coragem em casa escura
e, aberta, uma varanda para o mundo.
Existe a noite,
o riso e a voz refeita à luz do dia,
a festa da Senhora da Agonia
e o cansaço
do corpo que adormece em cama fria.
Existe um rio,
a sina de quem nasce fraco ou forte,
o risco, a raiva e a luta de quem cai
ou que resiste,
que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema
existe o grito e o eco da metralha,
a dor que sei de cor mas não recito
e os sonhos inquietos de quem falha.
No teu poema
existe um cantochão alentejano,
a rua e o pregão de uma varina
e um barco assoprado a todo o pano.
Existe um rio
a sina de quem nasce fraco ou forte,
o risco, a raiva e a luta de quem cai
ou que resiste,
que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema
existe a esperança acesa atrás do muro,
existe tudo o mais que ainda escapa
e um verso em branco à espera de futuro.

José Luis Tinoco

31 outubro 2005

ad lucem...



Pousada de Santa Maria do Bouro

Gerês

Fly me to the moon


Fly me to the Moon
(Bart Howard)

Fly me to the moon
And let me play among the stars
Let me see what spring is like
On Jupiter and Mars
In other words hold my hand
In other words darling kiss me

Fill my life with song
And let me sing forevermore
You are all I hope for
All I worship and adore
In other words please be true
In other words I love you

24 outubro 2005

Braga: mist mountain