Gosto muito de poesia, da construção única do brincar com as palavras... Essa deve ser uma das razões para gostar tanto de fado. Muitas dessas canções recorrem a textos realmente fabulosos da autoria de renomados autores como David Mourão Ferreira, Manuel Alegre, Ary dos Santos, entre muitos outros, elevando a qualidade final da obra.
O texto que se segue é um dos meus preferidos e é muitas vezes lembrado pela sua associação à música nas vozes de Carlos do Carmo ou de Simone de Oliveira. Para quem gosta deste género, recomendo a audição das músicas. Ou então... deliciem-se apenas com as palavras!
No teu poema
existe um verso em branco e sem medida,
um corpo que respira, um céu aberto,
janela debruçada para a vida.
No teu poema existe a dor calada lá no fundo,
o passo da coragem em casa escura
e, aberta, uma varanda para o mundo.
Existe a noite,
o riso e a voz refeita à luz do dia,
a festa da Senhora da Agonia
e o cansaço
do corpo que adormece em cama fria.
Existe um rio,
a sina de quem nasce fraco ou forte,
o risco, a raiva e a luta de quem cai
ou que resiste,
que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema
existe o grito e o eco da metralha,
a dor que sei de cor mas não recito
e os sonhos inquietos de quem falha.
No teu poema
existe um cantochão alentejano,
a rua e o pregão de uma varina
e um barco assoprado a todo o pano.
Existe um rio
a sina de quem nasce fraco ou forte,
o risco, a raiva e a luta de quem cai
ou que resiste,
que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema
existe a esperança acesa atrás do muro,
existe tudo o mais que ainda escapa
e um verso em branco à espera de futuro.
José Luis Tinoco